Trabalhando em uma Start-up na Faria Lima

Trabalhei por alguns anos em uma empresa na região da Faria Lima com a JK, onde ocupávamos dois andares, um deles sendo uma cobertura. Essa empresa era uma típica start-up que se dedicava à venda de “Projetos de Transformação Digital”. O curioso é que, apesar do bom marketing e das promessas mirabolantes, a empresa nunca foi lucrativa. Na verdade, para manter as operações, dependíamos exclusivamente de investidores – geralmente pessoas físicas muito ricas.

O CFO, que era um dos sócios da empresa, era encarregado de atrair investimentos através da sua “network”, como ele gostava de chamar. Basicamente, ele frequentava baladas e festas luxuosas, como as de Jurerê Internacional, onde conhecia e abordava pessoas influentes para investir no negócio. Esses investidores também se tornavam fonte de clientes, indicando diretores de grandes empresas que buscavam nossa expertise em transformação digital.

Os clientes que chegavam até nós eram, na maioria das vezes, conexões pessoais dos investidores ou mesmo do CEO. Eles eram diretores de empresas renomadas, muitas vezes escolhidos por critérios que iam desde laços sociais até contatos em clubes exclusivos ou eventos de prestígio.

O CEO da empresa, por sua vez, era um mestre em vender sonhos. Em suas reuniões, ele prometia projetos inovadores e milionários para esses diretores, explorando a vaidade e ambição da “classe média executiva tech”. Todos queriam se destacar na carreira, aparecer em fotos de revista e participar de podcasts, e ele sabia explorar muito bem esses desejos.

Os sócios, ou melhor, os “founders”, como gostavam de se autodenominar, eram personagens marcantes por seus estilos únicos. O CFO podia ser encontrado sempre com uma camiseta preta desbotada, jeans e tênis All Star, mantendo o visual clássico de “jovem empreendedor de start-up”. Já o CEO, realizava reuniões semanais para pregar os valores da empresa, uma mistura bizarra de Platão com Steve Jobs, sempre destacando temas como confiança, ética e coragem, enquanto compartilhava os “grandes planos” da empresa.

Todos os funcionários eram contratados como pessoa jurídica, recebendo salários irrisórios sob promessas de bônus e futuras promoções. Era comum ouvir falar em “heads” de departamentos ocupados por jovens inexperientes de vinte e poucos anos.

A empresa, no entanto, vivia à beira do precipício financeiro. Os investimentos e os projetos vendidos não eram suficientes para cobrir os custos básicos. O escritório moderno e bem localizado na Faria Lima era mais uma peça de marketing do que uma necessidade operacional real.

Com o tempo, muitos perceberam a verdade por trás da fachada. Os investidores, cansados de financiar um poço sem fundo, desistiam, aceitando suas perdas. Os clientes viam seus projetos naufragarem, enquanto os funcionários, alguns processando a empresa por falta de pagamento, se viam sem opção senão buscar novos rumos.

Em 2022, com mudanças no mercado e o aumento das taxas de juros, a empresa não conseguiu mais se sustentar. Os investidores desapareceram, os clientes partiram e muitos funcionários foram demitidos. Os que restaram trabalham em casa, tentando manter os últimos contratos vivos.

Os donos, por sua vez, desapareceram com parte do dinheiro, segundo denúncias, enquanto buscam uma nova oportunidade de negócio. Agora, bradam sobre inteligência artificial, tentando atrair novos investidores para sua próxima empreitada.

No meu caso, encaro tudo isso com humor. Afinal, como dizem, é melhor rir para não chorar. A experiência foi única e certamente deixou suas marcas.

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